Imagine acordar, abrir o aplicativo do banco e descobrir que sua conta foi bloqueada. Você corre para resolver, faz o pedido de desbloqueio, o juiz libera, e dias depois o bloqueio aparece de novo. Essa situação é mais comum do que parece e tem nome: “teimosinha do SISBAJUD”.
Ela causa preocupação em quem está com o nome em uma execução judicial, principalmente porque o bloqueio pode se repetir várias vezes, até o valor ser totalmente encontrado. Mas afinal, o que é essa tal teimosinha, como ela funciona e, principalmente, o que é possível fazer para se proteger?
Neste artigo, vamos explicar de forma simples e direta o que é o SISBAJUD, como age a teimosinha, quais são os limites legais e quais medidas você pode tomar para evitar ou reverter um bloqueio injusto.
Como funciona o sistema de teimosinha do SISBAJUD, o sistema de bloqueio judicial do CNJ
O SISBAJUD é o Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário. Ele foi criado em 2020 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Banco Central e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), para substituir o antigo BacenJud, que já não acompanhava as novas demandas tecnológicas. O objetivo era agilizar o cumprimento de decisões judiciais e facilitar o envio de ordens eletrônicas às instituições financeiras.
Em termos simples, o SISBAJUD é o sistema usado pelos juízes para mandar ordens de bloqueio e desbloqueio de valores diretamente aos bancos. Ele permite localizar e travar valores que estejam em contas bancárias, investimentos, corretoras ou outras aplicações financeiras ligadas ao CPF ou CNPJ de alguém que tem uma dívida judicial.
Além disso, o sistema permite requisitar informações detalhadas, como extratos bancários, cópias de contratos e faturas de cartão de crédito. Tudo isso acontece de forma segura, sigilosa e 100% digital. Isso reduz a burocracia e o tempo de resposta das instituições financeiras, tornando a execução judicial mais eficiente.
O que é a “teimosinha” dentro do SISBAJUD
A “teimosinha” é uma das funcionalidades mais polêmicas do SISBAJUD. Ela foi criada para resolver um problema antigo do sistema anterior, o BacenJud. Antes, quando o juiz mandava uma ordem de bloqueio, o sistema fazia apenas uma tentativa de localizar valores nas contas do devedor. Se não encontrasse nada naquele momento, a penhora não acontecia, e o credor precisava pedir uma nova ordem ao juiz.
Com a teimosinha, isso mudou. Agora, o juiz pode autorizar o sistema a repetir automaticamente as buscas por até 30 dias, sem precisar de novas ordens judiciais. É como se o SISBAJUD tirasse várias “fotografias” das contas bancárias, todos os dias, até encontrar algum saldo para bloquear.
Na prática, se o devedor recebe dinheiro no meio desse período — por exemplo, salário, pensão ou pagamento de cliente — o sistema pode detectar e bloquear automaticamente os valores, sem aviso prévio.
Essa reiteração automática foi criada para aumentar a efetividade das execuções, evitando que o devedor esvazie as contas logo após ser citado. Por outro lado, ela gera grande preocupação entre pessoas físicas e empresários que têm suas contas bloqueadas várias vezes, muitas vezes com verbas que deveriam ser protegidas por lei.
Quando a teimosinha pode ser usada
A regra geral é que a teimosinha só deve ser usada depois que o devedor é citado no processo e tem a chance de se defender. No entanto, alguns juízes autorizam a reiteração automática antes da citação, em situações em que há indícios de que o devedor está tentando esconder bens ou transferindo dinheiro para evitar a penhora.
O Código de Processo Civil (CPC) autoriza o bloqueio de valores via SISBAJUD com base no artigo 854, mas exige proporcionalidade e fundamentação judicial. Ou seja, o juiz precisa explicar o motivo da medida, mostrar que ela é necessária e que outras tentativas foram ineficazes.
Mesmo sendo uma ferramenta legítima, o uso da teimosinha sem cautela pode gerar bloqueios indevidos de verbas alimentares, salários, aposentadorias e benefícios assistenciais, o que tem levado muitos devedores a buscar na Justiça a reversão desses bloqueios.
A controvérsia: limites legais e direitos do devedor
O grande debate sobre a teimosinha gira em torno do equilíbrio entre o direito do credor de receber e o direito do devedor de manter o mínimo necessário para sobreviver. Isso se conecta diretamente ao devido processo legal, ao direito de defesa e à impenhorabilidade de certos valores, garantidos pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Civil.
Um dos problemas é que a teimosinha, por ser automática, pode acabar bloqueando valores de natureza impenhorável, como salários, aposentadorias, pensões, benefícios do INSS e contas-salário. Esses recursos são protegidos por lei e não podem ser usados para pagar dívidas comuns.
Além disso, em alguns casos o bloqueio acontece sem que o devedor tenha sido formalmente citado, o que pode violar o contraditório e a ampla defesa. Nesses casos, a medida pode ser considerada ilegal e deve ser questionada imediatamente.
O CNJ, ao criar o SISBAJUD, deixou claro que o sistema é neutro: ele apenas cumpre a ordem judicial e não tem como identificar se o dinheiro é impenhorável. Por isso, cabe ao juiz e às partes analisar cada situação.
O Tema 1.325 do STJ e as execuções fiscais
A discussão chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que vai definir o entendimento definitivo sobre o uso da teimosinha nas execuções fiscais, ou seja, nos processos em que o Estado cobra dívidas de impostos. O caso está registrado como Tema 1.325.
Nesse julgamento, o STJ vai decidir se é legal repetir automaticamente as ordens de bloqueio sem nova decisão judicial a cada tentativa. Existem três caminhos possíveis:
- Validação plena: o STJ reconhece a legalidade da teimosinha em qualquer tipo de execução, sem necessidade de nova decisão.
- Validação condicionada: o tribunal permite a teimosinha, mas impõe limites, como prazo máximo ou justificativa renovada.
- Ilegalidade: o STJ entende que a reiteração automática é abusiva e exige nova ordem a cada tentativa.
As decisões recentes das duas turmas do STJ indicam uma tendência de aceitação da teimosinha, desde que o juiz justifique a medida e respeite os direitos do devedor. Por isso, é essencial que o cidadão saiba como agir quando for alvo desse tipo de bloqueio.
Como escapar da teimosinha do SISBAJUD (legalmente)
O primeiro passo é entender que não existe forma mágica ou ilegal de “fugir” da teimosinha. O bloqueio é uma determinação judicial e deve ser enfrentado com base na lei. No entanto, existem meios legítimos para “escapar” da teimosinha do Sisbajud, mas agir de forma estratégica e dentro da lei para evitar prejuízos indevidos.
Trata-se apenas de de defender seus direitos e proteger valores impenhoráveis.
Verificação imediata e contato com advogado
Assim que o bloqueio acontecer, o ideal é procurar um advogado especializado em bloqueio de contas bancárias ou execuções judiciais. Esse profissional pode consultar o processo, identificar a origem da ordem e verificar se ela foi devidamente fundamentada.
Com base nisso, é possível apresentar um pedido de desbloqueio de valores ou de revogação da teimosinha, se houver abuso.
Comprovação de origem dos valores
O argumento mais forte contra o bloqueio indevido é a impenhorabilidade de certas verbas. É possível comprovar ao juiz que o dinheiro bloqueado tem origem em:
- Salário ou proventos de aposentadoria
- Pensão alimentícia
- Benefício do INSS (como BPC/LOAS)
- FGTS, PIS, seguro-desemprego
- Contas destinadas exclusivamente ao recebimento de salário
Para isso, é importante juntar extratos bancários, comprovantes de pagamento e qualquer documento que mostre a origem da quantia. Com base nesses elementos, o juiz pode determinar o desbloqueio total ou parcial.
Pedido de limitação temporal e revogação da teimosinha
Em alguns casos, a teimosinha é mantida por tempo excessivo, o que causa prejuízos ao devedor. O advogado pode pedir que o juiz limite o período da reiteração (por exemplo, a 10 dias) ou que revogue a medida, quando já houver indícios de excesso ou quando o valor bloqueado ultrapassar o necessário.
Os pedidos devem se basear na proporcionalidade, na boa-fé processual e no princípio da menor onerosidade, que determina que a execução deve causar o menor prejuízo possível ao devedor.
Como prevenir novos bloqueios
Além de reagir, também é possível se prevenir. Algumas medidas simples ajudam a evitar surpresas desagradáveis:
- Separar contas pessoais e empresariais
- Evitar concentrar todo o dinheiro em uma única instituição bancária
- Monitorar processos judiciais em andamento
- Negociar débitos e buscar acordos judiciais antes da penhora
- Manter comprovações da origem dos valores depositados
Essas práticas não garantem imunidade, mas reduzem o risco de bloqueios automáticos injustos.
Entendimento atual dos tribunais sobre a teimosinha
A maioria dos tribunais tem reconhecido a legalidade da teimosinha, desde que usada com moderação e justificativa. O entendimento predominante é que o sistema aumenta a eficiência da Justiça e evita manobras para ocultar bens, mas não pode ser utilizado de forma abusiva.
O STJ já admitiu a teimosinha em casos concretos, como nos recursos REsp 2.153.854/SC e REsp 2.121.333/SP, destacando que ela é válida quando atende aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Em contrapartida, também existem decisões que determinam o desbloqueio de valores quando há excesso, falta de fundamentação ou violação de direitos.
Em resumo, a tendência é que a teimosinha se torne uma prática consolidada, mas com critérios de controle judicial mais claros e respeito às garantias fundamentais do devedor.
Teimosinha não é invencível, mas exige defesa especializada
A teimosinha do SISBAJUD veio para tornar a execução judicial mais eficiente, mas também trouxe desafios para quem tem valores bloqueados injustamente. Embora seja uma ferramenta legal, ela não pode ignorar o direito de defesa, a impenhorabilidade e o princípio da dignidade humana.
Se você foi surpreendido com bloqueios automáticos ou sucessivos, é essencial agir rápido e buscar orientação jurídica. Um advogado pode analisar o caso, identificar irregularidades e apresentar o pedido de desbloqueio com base nos fundamentos corretos.
A teimosinha não é invencível. Com informação e a defesa adequada, é possível garantir que seus direitos sejam respeitados e que o processo siga de forma justa.
O escritório Mateus Ferrarezi Advogados atua na defesa de quem enfrenta bloqueios judiciais e pode ajudar você a recuperar o controle financeiro, com segurança e amparo legal.
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